Invólucro – Um modelo de interpretação de peças musicais
A tecnologia do presente século tem evoluído consideravelmente. Os softwares editores de música, por exemplo, são capazes de reproduzir com exatidão os mais diversos tipos de partituras.
O que diferenciará o ser humano de uma máquina que interpreta?
O engessamento da prática musical clássica nos leva a pensar música como máquinas reprodutoras de uma escrita muitas vezes infiel ao próprio compositor. A máquina não cria. Ela é programada. Sendo assim, a prática musical precisa ter flexibilidade artística.
O ser humano é um ser que rotula, que padroniza e normatiza, sobretudo após a revolução francesa temos um pensamento racionalista e delimitador em praticamente tudo o que fazemos. Assim, vivemos sob o invólucro de uma caixa, deixando por vezes de usufruir do fazer musical por conta de rótulos e padrões. A academia é fundamental para o conhecimento, mas neste sentido pode ser muito prejudicial, porque tudo precisa ficar dentro de padrões pré-estabelecidos e o que está fora é rotulado como errado, espúrio e inconsiderável.
No século passado surgiram expressivos compositores que estavam saturados com o engessamento não só da interpretação mas também das composições. Schoenberg, desenvolvendo o dodecafonismo, rompeu com a estética dominante. Messiaen buscou o som no orientalismo e no canto das aves, a música do cosmos em toda parte expressa a grandeza divina. John Cage enfatizava que o som estava em toda parte, inclusive na aleatoriedade do silêncio. Stockhausen e Pierre Boulez desenvolveram música por meio de experimentações. Até mesmo alguns que trabalharam de forma restringida, como o próprio Boulez no serialismo integral de sua obra Structures , perceberam que toda interpretação tem algo de aleatório e que é muito difícil controlarmos todos os parâmetros do som.
Neste sentido, a música do cosmos não é engessada, a série harmônica não é absoluta, o mundo é a ordem em meio ao caos e o caos em meio a ordem. Para um intérprete, por exemplo, a fidelidade não está na interpretação cega da partitura. Está em proporcionar aos ouvintes o degustar da riqueza da composição como um todo, sem racionalidade exagerada, podendo até mesmo interferir na obra porque fidelidade absoluta não haverá.
A rigidez da interpretação é boa para o aprendiz, pois o leva a incorporar a linguagem da época do compositor, porém, para a expressão artística do intérprete, a rigidez o engessa e ele deixa de ser autêntico, deixa de ser humano para ser máquina, pois não interpreta o que está no interior de seu ser.
Ramon Chrystian A. Lima